Pular para o conteúdo principal

Vinho laranja

  Na hora de escolhermos o vinho, nos deparamos com uma infinidade de estilos. Em primeiro lugar, temos que optar entre brancos, rosés e tintos ou, quem sabe, um laranja. Isso mesmo! Apesar de raros, eles existem e estão na moda e, para o enófilo que nunca experimentou, digo que vale muito a pena conhecer!
  Eles são elaborados com uvas brancas mas através do mesmo método de produção dos vinhos tintos, ou seja, o suco em contato com as cascas das uvas por dias, semanas ou até meses. Graças a este contato, estes vinhos adquirem uma linda cor que varia do alaranjado, ao dourado ou até mesmo ao âmbar. São mais encorpados que os brancos tradicionais e, assim como os tintos, possuem taninos. Como já expliquei em publicações anteriores, os taninos são os compostos presentes nas cascas das uvas que dão aquela sensação de secura na boca quando tomamos o vinho tinto. Como os vinhos brancos tradicionais são elaborados sem nenhum contato do suco com as cascas, eles não possuem taninos. Além dos taninos, o contato com as cascas proporciona ao vinho uma grande complexidade de aromas e sabores, que vão desde notas florais, minerais e herbáceas a sabores de frutas secas ou  cristalizadas, cogumelos e cítricos.
  Na realidade, as técnicas de vinificação para a elaboração do vinho laranja são ancestrais às técnicas de produção dos vinhos brancos nos dias de hoje. Acredita-se que surgiram a milhares de anos atrás na região do Cáucaso, onde hoje se encontram a Georgia e a Armênia. Atualmente, são produzidos em várias partes do mundo. Mas, a maior produção se encontra no norte da Itália, em Friuli-Venezia-Giulia, e na Eslovênia. Até mesmo aqui no Brasil, alguns produtores têm se aventurado em sua elaboração. Mas, infelizmente, devido às nossas tarifas fiscais, estes vinhos acabam chegando nas lojas com um valor elevado. E o interessante é que os produtores mantêm viva as tradições milenares utilizando-se das mesmas técnicas de produção.   Tradicionalmente, o vinho laranja é fermentado com leveduras indígenas, ou seja, aquelas que estão presentes nas cascas da uva e na adega. Para os brancos, rosés e tintos, a maioria dos enólogos optam por utilizar leveduras criadas em laboratório pois estas dão uma maior previsibilidade do resultado final. Além disso, as uvas utilizadas para a produção da maioria dos vinhos laranja são cultivadas através de técnicas de agricultura sustentável ou biodinâmica. A fermentação ocorre em grandes ânforas de terracota ou cimento, com certo contato com o oxigênio, o que favorece uma ligeira oxidação e fornece sabores de nozes e amêndoas ao vinho. Essas ânforas, em muitos casos, são enterradas para que o vinho não sofra influencia da luminosidade e de mudanças de temperatura. O vinho pode ser envelhecido por meses ou até anos nestas condições Na maioria dos casos, são engarrafados sem filtragem, podendo alguns se mostrarem turvos.
 Nem todas as uvas brancas são indicadas na produção do vinho laranja. É necessário que se escolha uma casta com a casta grossa e bastante compostos fenólicos antioxidantes capazes de suportar o contato com o oxigênio durante a fermentação e a oxidação resultante do envelhecimento. No final dos anos 90, o produtor italiano Josko Gravner foi o responsável pela retomada deste método ancestral de produção, quando percebeu que a casca grossa da casta branca local, Ribolla Gialla, não merecia ser descartada e que poderia conferir características únicas ao vinho. Gravner viajou para a Georgia e lá resgatou tradições com mais de 5000 anos, como a fermentação dentro das ânforas de terracota, que são lacradas com cera de abelha e enterradas, mantendo o suco em contato com as cascas. Seus vinhos alcançaram notoriedade e, a partir dai, vários produtores começaram a se arriscar na produção desse exótico e interessante vinho.
  Em 2004, um importador londrino, chamado David Harvey, chamou o vinho de "orange wine" e o nome pegou. Sem querer, ele deu o nome ao que tem sido a novidade mais antiga do mundo dos vinhos.
  Além de proporcionar uma experiência incomum a quem está degustando, a sua versatilidade na harmonização é um outro ponto positivo. Por ser mais estruturados que os brancos tradicionais, possuir delicados taninos como um tinto leve e a acidez proveniente da casta branca, ele pode ser harmonizado com queijos, bacalhau, frutos do mar, comidas picantes como a asiática e a tailandesa e com carnes de caça. Me arrisco a dizer que serve também como um vinho de meditação, para se abrir a garrafa numa sexta a noite e beber apenas escutando uma boa música para relaxar do stress da semana ou ainda apenas jogando conversa fora com os amigos. Portanto, se você ainda não teve o prazer de desfrutar do exótico vinho laranja, recomendo que o faça. E depois me conte!
  Vou ficando por aqui e acho que vou abrir uma garrafa de vinho laranja! Até uma próxima publicação! Santé!

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Outras cinco curiosidades sobre videiras, uvas e vinhos

  Conforme prometido na publicação anterior, hoje vou falar sobre mais cinco curiosidades do mundo dos vinhos. Para manter uma sequência na leitura, no texto anterior falei sobre origens e produção e hoje vou falar de curiosidades sobre as videiras, envelhecimento do vinho, degustação e benefícios da bebida dos deuses à nossa saúde.   6- Tipos de uvas próprias para a produção do vinho   Existem cerca de 1000 espécies da Vitis Vinífera, videiras que produzem uvas próprias para a produção de vinhos, mas apenas cerca de 50 espécies são mais utilizadas e difundidas pelo mundo. Entre as castas mais conhecidas podemos citar:  Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Malbec, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Riesling, entre outras.   Muitas são castas autóctones e são produzidas apenas na sua região de origem. Portugal, apesar do seu pequeno tamanho, é um dos países com maior número de castas autóctones, sendo contabilizadas cerca de 300 castas. Além da grande diversidade, os portugueses são muito c

Diamantina - Terra de vinhos, queijos e a famosa hospitalidade mineira.

   Recentemente, passei por belas experiências de aprendizado em vinícolas, algumas distantes e outras bem pertinho daqui. Estas viagens vão render muito assunto pra matérias aqui no Vinho às Claras. Como sou uma entusiasta dos vinhos nacionais, resolvi começar falando da última viagem, realizada a pouco mais de uma semana para uma cidade bem próxima, a apenas 296 km de Belo Horizonte, Diamantina.    A algum tempo atrás, publiquei um artigo falando sobre os vinhos de Minas e a técnica da dupla poda. Agora tive a oportunidade de visitar e ver pessoalmente o trabalho desenvolvido por vinícolas mineiras e posso afirmar que é apaixonante testemunhar o amor e o empenho envolvido na produção dos nossos vinhos.    A viagem foi organizada pelas queridas Vanessa e Eveline, criadoras da confraria feminina Luluvinhas. No último dia 03, eu e mais 18 Lulus saímos de BH para conhecer a produção de vinhos e queijos da região. No dia seguinte, tínhamos programadas visitas à Vinícola Campo Alegre, pe

Os aromas do vinho

   Todo enófilo que se preze sabe que, para se desfrutar ao máximo das sensações que o vinho pode nos proporcionar, a taça deve ser girada para a maior liberação dos aromas presentes na bebida dos Deuses. O que muitos não sabem é que estes aromas podem nos ajudar muito a identificar não apenas o tipo de uva utilizada na produção daquele vinho, como também algumas técnicas utilizadas no processo de vinificação e até mesmo a idade do vinho.    Durante a análise olfativa, podemos identificar três grupos de aromas, os primários, os secundários e os terciários. Os aromas primários são aqueles existentes no vinho que acabou de ser fermentado e podem ser próprios da uva ou originados do processo de fermentação. Em sua maioria, são aromas frutados, como as frutas cítricas, o pêssego e a maçã verde nos vinhos brancos e o morango, a ameixa e a framboesa em vinhos tintos. Em regiões muito quentes, onde a uva amadurece muito rápido, podemos sentir aromas de frutas cozidas ou secas. Algumas uvas t